2005/06/20

Sobre cânone literário

O Diário de Notícias de hoje publica um interessante texto de Pedro Mexia sobre cânone literário, intitulado "O segundo maior":

Aconteceu com Sophia de Mello Breyner. Aconteceu com Eugénio de Andrade. Em muitos depoimentos e obituários, admiradores proclamavam Sophia ou Eugénio (e por vezes ambos) "o maior poeta português depois de Pessoa". Ou, numa formulação mais pueril, o "segundo maior" poeta português contemporâneo.

Como escrevi em várias ocasiões, gosto muitíssimo dos poemas de Eugénio e de Sophia. Mas considero arriscado e escusado decretar que A ou B detém o posto de "maior poeta português depois de Pessoa". Agora dizem Eugénio e Sophia. Mas porque não Sena? Ou Nemésio? Ou Carlos de Oliveira? Ou Herberto? Ou Cesariny? Ou Ruy Belo? É perfeitamente admissível escolher um destes seis. E com argumentos válidos e sólidos.

A poesia tem sido a nossa forma de expressão artística mais conseguida e mais povoada. Mas não podemos canonizar cada poeta que morre como o maior desde. E se fosse o terceiro maior? Ou talvez o quinto? A conversa descamba no ridículo. Eugénio ou Sophia são claramente poetas importantes. Mas não somos nós, seus contemporâneos, que conhecemos a sua relevância no cânone português em termos absolutos. Daqui a 100 anos é que isso se percebe. Para nós, neste momento, são grandes poetas. E isso é suficiente. Não são necessários mais epítetos.

Devo confessar que a própria expressão impositiva e dogmática ("depois de Pessoa") me incomoda um bocado. Pessoa é sem dúvida o centro do cânone português moderno. Mas acho absolutamente admissível contestar a sua olímpica superioridade (embora creio que só Vasco Graça Moura se tenha atrevido a tanto). Por exemplo como indefectível nemesiano, sustento que Vitorino Nemésio é comparável a Pessoa. No sentido de que não é incomparável. De que podemos comparar. Nemésio é um enorme poeta, como Pessoa é um enorme poeta. Mas para mim, pessoalmente, Nemésio até foi mais importante do que Reis, Caeiro ou o Pessoa ortónimo. Repito: essa é apenas a minha experiência pessoal como leitor de poesia. Mas essa mesma experiência pessoal é que motiva elogios e epítetos.

Não temos nenhuma visão global sobre a poesia na nossa época. Temos apenas alguns poetas que amamos mais que outros. Isso basta.