2006/01/05

A literatura e a vida (3)

Pelo seu manifesto interesse didáctico, cito Eduardo Prado Coelho, a partir da edição de hoje do jornal Público:

"Não estraguem mais!

Recordo-me como se fosse hoje: em 1975, era eu director-geral de Acção Cultural e um dia vi entrar no meu gabinete o Rogério de Moura, homem experiente, director dos Livros Horizonte. Entre as várias coisas de que falámos, esteve a necessidade de criar o Instituto do Livro. Não estava ao meu alcance fazê-lo, e a lógica dominante era a de direcções-gerais com os respectivos departamentos. Mas já existia um Instituto do Cinema, de existência assaz tumultuosa. A proposta de Rogério de Moura marcou data e mais tarde veio a criar-se o Instituto do Livro. Alguns directores de que me lembro foram a Teresa Gil e o Artur Anselmo. O José Afonso Furtado (uma das pessoas que em Portugal melhor conhece os problemas do livro) teve também um papel preponderante. E António Alçada Baptista. E, para além de importantes presenças nas bienais do Livro, para além do apoio dado a Frankfurt (sobretudo no ano em que Portugal foi o convidado oficial) e ao Salão do Livro de Paris (idem, idem), organizaram feiras do livro nos países africanos de língua portuguesa e asseguraram com o ICEP a presença portuguesa no Brasil.
Mas havia por essa altura uma imensa dinâmica no Instituto do Livro. Por iniciativa de Maria da Conceição Caleiro, criaram-se em Portugal, com assinalável êxito, as comunidades de leitores. É ela que neste momento anuncia uma comunidade de leitores a funcionar a partir de hoje na Livraria Buchholz, ao fim da tarde. Suponho que esta excelente iniciativa já nada tem que ver com o IPLB. E é pena. Na Culturgest, fizeram-se "os livros em volta" (sempre com salas cheias). As comemorações do Dia Mundial do Livro tinham uma energia contagiante. Eram múltiplas as iniciativas, algumas discutíveis (como a lenta elaboração de um dicionário de todos os escritores portugueses), mas sempre entusiasmantes. E tudo isto contribuiu para a promoção da leitura. Hoje, num período em crise, o livro está na moda (como dizia um jornal), multiplicam-se as livrarias de qualidade na província, surgem excelentes pequenas editoras, criou-se uma linha de apoio à edição no Brasil com excelentes resultados (num esforço de Margarida Lages), e os lançamentos de livros são prática corrente e muito concorrida. Cabe ao instituto apoiar a existência das livrarias de qualidade e contribuir para a formação de profissionais da livraria (para evitar que eles pensem que "edição bilingue" é uma editora...). É necessário também o apoio à edição portuguesa, à quase inexistente edição universitária e às revistas importantes em todas as áreas. Cabe ao instituto criar bibliotecas públicas em articulação com as autarquias. E há ainda imensas coisas que se podem fazer - é uma questão de vontade e imaginação.
Confesso que nos últimos tempos o instituto parece ter hibernado, e deve limitar-se às tarefas rotineiras. Lamentável! Mas a verdade é que não ouço falar nele em lugar algum. E vejo funcionários cabisbaixos e desmotivados. Entretanto, começou a falar-se em dividir o instituto por diversas instâncias já existentes, desde a Biblioteca Nacional ao saturado Instituto Camões. A ideia é assassina (tanto ou mais do que a deplorável junção dos Espectáculos com a Arte Contemporânea). Se persistirem nela, teremos de reagir com indignação e firmeza, mobilizando escritores, livreiros, editores, leitores, bibliotecários. Mas talvez tudo seja apenas um boato catastrofista..."